A controvérsia científica acerca dos casamentos consanguíneos

um debate sobre suas possíveis influências sobre o intelectual e a moral dos filhos dessas uniões

Autores/as

DOI:

https://doi.org/10.53727/rbhc.v18i1.1057

Palabras clave:

escola anticonsanguinista, controvérsia consanguinista, sofrimento mental, Academia Imperial de Medicina, casamentos consanguíneos

Resumen

Em 30 de junho de 1865, na sessão solene de aniversário da Academia Imperial de Medicina, os membros dessa instituição propuseram mais um concurso de teses para o ano que se iniciava. Entre as perguntas motivadoras elencadas, uma indagava “Que influencia podem ter os casamentos consanguíneos sobre o intellectual e moral da espécie humana?”. À questão proposta foi submetido apenas um artigo que tem sua autoria atribuída a Luís Vicente de Simoni (1792-1881) que postula enfaticamente sobre os danosos efeitos que a consanguinidade exercia sobre a prole do casal aparentado. Assim, Simoni tomava partido na controvérsia científica dos casamentos consanguíneos, alistando-se nas fileiras da escola anticonsanguinista. Essa querela gerava um caloroso debate dentre os médicos daquela centúria e inseria-se em outra controvérsia de maior envergadura: a da possibilidade de transmissão hereditária de patologias. As páginas dos periódicos médicos brasileiros do século XIX são importantes vestígios desses debates pois permitem cotejar os principais argumentos das escolas divergentes de ambas as controvérsias. Contudo, para este artigo debruçar-se sobre o debate (anti)consanguinista é necessário adentrar na querela da hereditariedade devido a relevância desta como campo no qual surge o debate consanguinista. Os possíveis efeitos da consanguinidade sobre o “intelellectual” da prole assume lugar de destaque na argumentação anticonsanguinista que enxergava uma série de sofrimentos mentais como creditadas aos casamentos consanguíneos. Este artigo debate a associação entre consanguinidade e sofrimento mental e o peso desse argumento na controvérsia consanguinista que movimentou a segunda metade do século XIX.

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Fontes

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Publicado

09-06-2025

Número

Sección

Dossiê - Corpos e mentes sob escrutínio: saberes e práticas ‘psi’ na história das ciências